Todo cristão deve ansiar pela presença do Espírito Santo. Porém, sem submeter essa busca ao rigor da Palavra, o anseio facilmente erra o alvo. É o caso da música “O que sua glória fez comigo”, da Fernanda Brum.
Sendo de berço pentecostal, cresci no meio de cultos em busca da presença do Espírito Santo, sua manifestação por meio dos dons e o chamado batismo de fogo. Hoje, porém, tendo tido contato com a fé reformada, reavaliei muito do que conheci.
Se por um lado tive que rever muitas doutrinas, por outro, enxerguei no meu legado um anseio precioso e legítimo pela presença manifesta do Espírito.
É claro que, se Deus é onipresente, não há como fugir da sua presença. Há, porém, uma manifestação da presença do Espírito especial na assembleia dos santos pela qual devemos ansiar, como diz Bob Kauflin. E creio que esta é uma ênfase legítima e válida mais comum ao meio pentecostal. Porém, repito: sem o devido rigor bíblico, acaba indo na direção errada.
A música “O que sua glória fez comigo” descreve um anseio legítimo, mas peca na forma que ele é expressado. No refrão vemos um bom conceito, de que perante Deus, em adoração, estamos no melhor lugar possível. Para expressar isso, a música até usa algumas imagens bíblicas, mas mal aplicadas.
Por exemplo, peguemos as frases:
“Eu me rasgo por inteiro”
Na Bíblia, temos personagens que em momentos de contrição, arrependimento ou humilhação rasgaram as suas vestes. Suponho que a inspiração da frase acima venha disso, mas dizer que vai se rasgar por inteiro me parece um pouco extremo.
“Faço tudo, mas vem novamente”
Nós não fazemos coisa alguma. Se Deus se dispõe a vir ao nosso encontro, se temos acesso à presença de Deus, é pelo que Cristo fez, não esforço nosso.
“Eu mergulho na mirra ardente”
Na Bíblia, a mirra é citada em contextos de adoração, devoção e amor, como no livro de Cantares ou entre os presentes trazidos ao menino Jesus. Este óleo aromático caríssimo era oferecido como um ato de louvor. Até faz sentido associar a mirra à adoração, mas daí para se jogar em óleo ardente, já não faz sentido. Não vemos pessoas fazendo isso na Bíblia. Além do mais, pense comigo: se jogar em óleo ardente deve doer muito!
“Se eu passar pelo fogo, não temerei.”
Na Bíblia até temos o relato de Sedraque, Mesaque e Abede-Nego que passaram pela fornalha e não foram feridos. Mas este relato não tinha a ver com louvor.
As primeiras duas estrofes, de onde essas linhas foram tiradas, trazem uma ideia de que nossos atos atraem a presença de Deus. Elas expressam um anseio legítimo, mas mostram uma forma exagerada dele.
Não é errado buscar a presença do Espírito, de maneira alguma. Devemos, sim, buscar sermos preenchidos por Ele continuamente, como diz o Dr. Martyn Lloyd Jones. E esse preenchimento, essa plenitude do Espírito Santo, é algo que experimentaremos várias vezes ao longo da nossa caminhada cristã. Mas ela deve ser informada e moldada pela Palavra, não apenas nosso desejo. Afinal, até mesmo o desejo pelo Espírito Santo é algo inspirado pelo próprio Deus. Não é algo que vem do coração do homem.
Apesar da música expressar um sentimento legítimo, creio que ela peca pelo exagero e sentimentalismo. Além disso, a música emprega imagens bíblicas, mas de uma forma que a Bíblia não faz. Por isso, é uma música que erra ao promover um emocionalismo que não é sustentado pela Palavra.