O que significa ser “casa de Deus”? Afirmar que somos a casa, a morada de Deus e do seu Espírito, é um conceito fundamental para a nossa identidade cristã. Mas, para entendermos o profundidade deste princípio, temos que primeiro ver como a casa de Deus é tratada ao longo de toda a Bíblia.
Obviamente, aqui não teremos o espaço devido para tratar do assunto exaustivamente. Mas, vale fazer um rápido panorama dessa imagem bíblica.
A casa de Deus é o lugar da sua habitação, onde Ele vem nos encontrar. E o primeiro templo formal ou “casa” de Deus na Bíblia é o Tabernáculo, conforme vemos em Êxodo. Ao instruir a Moisés e ao povo como o Tabernáculo deveria ser construído, Deus diz:
“… farão para mim um santuário, para que eu possa habitar no meio deles.” (Ex 3.8)
A primeira coisa que temos que ter em mente para compreender esta imagem é que a casa de Deus é um santuário, um templo. Não podemos pensar em casa como o nosso lar, com quarto de dormir, cozinha e afins. Casa fala de templo, o lugar de adoração.
Ao longo do Antigo Testamento, se você buscar pelo termo “casa de Deus”, é isso que verá em 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Salmos etc.
Já no Novo Testamento, vemos Paulo dizendo o seguinte:
“Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?” (1 Co 3:16)
Quando levamos em conta do sistema levítico, o papel do Templo na cultura do povo de Israel, o lugar até onde iam para encontrar a Deus, ler as palavras de Paulo é algo revolucionário.
Para nós, o choque não é tão grande uma vez que sabemos que Jesus Cristo veio para cumprir a Lei, para dar fim ao sistema levítico de culto, para rasgar o véu que limitava o acesso ao santo dos Santos. E, após a sua ascensão, ele envia o Espírito Santo para habitar em nós, para que cada um de nós pudesse agora ser o santuário, o templo, a casa de Deus.
Não somos mais restritos a todo aquele sistema levítico minucioso, muito menos a um único prédio onde todos se reúnem. Agora, nós somos o templo, o local de culto a Deus. Falar que somos casa de Deus é, necessariamente, apontar para Cristo, a cruz, o sacrifício e falar do acesso direto que temos ao Pai.
Tendo feito esse brevíssimo panorama bíblico, olhemos para a letra da música “Sou casa”, do Elizeu Alves.
A letra é bem curta, apenas um verso, refrão e ponte, cada uma com quatro linhas. O clipe oficial da música tem quase cinco minutos de duração. Logo, se você tem problemas com repetição, já para por aqui. Como já tratamos em outras análises, isso não é necessariamente uma coisa ruim. Mas tem quem não aceite, em hipótese alguma. Voltemos à letra.
A primeira estrofe diz “tens liberdade aqui, Espírito Santo”. Obviamente, o Espírito não precisa de permissão para habitar entre aqueles que já lhe pertencem. Esse tipo de afirmação fala mais de nós do que de Deus, propriamente dito. É uma afirmação que “nos situa”, por assim dizer. Mesmo que saibamos dessas verdades, precisamos ser lembrados e de fato afirmar que o Espírito tem liberdade para agir entre nós.
O refrão, que dá nome à música, apresenta a tese principal da música: “Sou tua casa, sua morada, seu lar.” Como dissemos, a Bíblia fala que somos a morada de Deus. Já a segunda parte do refrão é curiosa: “mude as coisas de lugar”.
Tenho que voltar um pouco à descrição do Tabernáculo. Deus foi muito específico nas instruções que Ele deu. E isso nos traz um princípio importantíssimo do santuário e da adoração na Bíblia. Conforme diz o autor David Peterson no seu livro Teologia bíblica da adoração: cultuando a Deus como Ele orienta e deseja:
“(…) nós, o seu povo, somos chamados para nos relacionar com Deus nos termos que Ele propões e da maneira que Ele somente torna possível.”
Então, o que significa pedir que Deus pude as coisas de lugar dentro do seu santuário? Significa, possivelmente, que não estamos seguindo suas orientações sobre como adorá-lo corretamente. Não sabemos. Mas é uma afirmação um tanto subjetiva. E é quase inevitável não lembrar do refrão de “Como Zaqueu”, do Régis Danese.( “Entra na minha casa, entra na minha vida, mexe como minha estrutura…”)
Na última estrofe, a música diz “Teu perdão é completo e sara a minh’alma”. De fato, o perdão de Cristo é completo e traz cura à nossa alma.
Quando juntamos todas as partes da música, não temos uma mensagem clara, unificada. Fica claro que o Espírito habita em nós e que isso traz perdão e cura. Mas, quando consideramos a riqueza desses elementos e do conceito bíblico do que significa ser casa de Deus, o templo de culto a Ele, é uma explanação um pouco superficial.
É claro que nem toda música precisa ser um tratado bíblico complexo, como já mencionamos em outras análises, mas se vamos falar de algo tão fundamental quanto sermos a habitação do Espírito, é necessário dizer um pouco mais. Essa instrução talvez possa ser suprida com uma breve explicação anterior à música, ou até numa pregação a respeito do Tabernáculo, por exemplo. Mas a música, por si só, deixa a desejar.
Como disse o pastor e compositor Guilherme Andrade, do Projeto Sola, numa das aulas da nossa plataforma:
“Quando o repertório for escolhido, ele precisa ser escolhido levando em conta a teologia da canção.”
Essa música apresenta uma teologia superficial. A mensagem dela não é errada, mas também não é muito clara. Não sei se é uma convocação à santificação, um pedido de perdão, sobre cura espiritual. É uma coleção de temas riquíssimos e necessários, mas que carecem de um cuidado mais apurado.